quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

No Automático

3 da manhã; a música ensurdece os demais sentidos. Estamos ali, em pé, pro sono
não dar pé. Cada um em seu celular, eu sem do ouvido poder enxergar o que
vibrava. Penso na pergunta da moça do aeroporto na ida: "Alguém mexeu na sua
bagagem sem altorização?". E se eu responder, só de sacanagem: "que eu tenha
visto não."? Fico ali, no silêncio que precede qualquer atitude, pensando se ela
ri de canto de olho, faz sinal de curti ou olha com cara de "e agora, Jozé!",
enquanto procura o radinho. "Qap, na escuta, Charlie Bravo, aqui um delta victor
visual bland que não sabe se mexeram em seu volume". Opa, peraí, em meu volume
ninguém mexeu! Não, jamais aumentaria o tom. Me renovariam o script de perguntas
- na verdade só era em ordem aleatória. Uma comissão de 3 supervisores decidira
por abrirem a mala. E se não der tempo de embarcar? E se nada lá encontrarem?
Algum movimento me puxa pro presente: o da minha esquerda aproveita que todos se
levantaram pro aplauso e anuncia a partida. Alguém o convence a ficar, desisto
de também ser instado a não ir. Outra banda ensurdece qualquer resquício de
conversa, até o gelo do copo seca. Já no check in, só o que consegui responder à
pergunta sobre minha bagagem foi "Não.". O momento não era pra piada; álito
pegajoso, cara quase serrada, ouvido ainda com zumbido da música em tom
verborragido - opto pelo script mais célere e garantido; no automático.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Entre a Luz e a Consolação

O braço era bom de se pegar, me dirigia com simplicidade segura. Na terceira
espera pra abrir, Alguém dá um espirro estrambólico; rimos na mesma hora e tom.
Começa algum diálogo, descubro que originalmente estávamos indo em direções
opostas. Os pingos engrossam quando me indica o piso tátil da Paulista,
provavelmente te perderei de vista. Curiosa, Matrix ou altruísta?

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Loteria

Esse negócio de Megasena acumulada atiça até quem acha que nenhum jogo é fácil.
No trabalho vai ter bolão, já é quase tabu minha não participação. Se não tenho
nem uma cor nem um número da sorte, imagina 6. Depois eles ficam fazendo planos,
calculando juros, fazendo promessas de um mundo melhor, enquanto eu tento
terminar o serviço antes pra já ir de roupa trocada pra academia. No caminho
mais gente falando do prêmio e teorias conspiratórias; a tv mostra os números
que mais e que menos saem. Será que ela jogou? E ele? Boa, talvez dê pra achar 6
números marcando os dias dos mesversários de meus relacionamentos mais
duradouros. Empaquei no 3º ou 4º, somaria os 2 primeiros e só faltaria um. E de
repente alguém me cutuca dizendo que dava pra ir, mas sentei no meio-fio e
calculei: qual a probabilidade de todas essas coincidências serem sorteadas?
Apelei para a surpresinha, não contei pra ninguém de minha passada na lotérica.
E se o pessoal do bolão me acusasse de traidor? E os mendigos, quando
descobrissem, pediriam cheques? Andaria de blindado, como cantor famoso, sem
sucesso engatilhado? Me mudaria pra Pasárguida? Dormi de cuca cheia, acordei de
bolso vazio: todos estávamos um bilhete mais pobres; alguns 2, já pensando na
próxima chance.

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Augusta

Da Paulista vinham os skatistas, da Frei Caneca os atrevidos e as passistas. Os
de andar firme ressurgiam da Consolação, gente que mora pra lá do Minhocão; a
baiana da trufa, o Tanaka do macarrão. Gente resando, olhando pro chão; outros
caminhando, de latinha na mão. A turma de Tihuana, os do rock e jaquetão - tarde
da noite, em pleno verão. A tribo do reggay, a do movimento neocristão. As
luzes, as vitrinas; as propostas indecorosas, as buzinas. As mesas na calçada,
as calçadas sem cadeiras. As disputas de som, um cheiro do bom. Pizza, hotdog ou
japonesa - na mesma calçada sem mesa. Gente subindo, gente descendo; gente só
ouvindo, a roda de violão a despistar o barulho do trânsito. O papo fluindo, a
noite se indo. E ontem o que vi foi a mesma gente, descendo e subindo - dentro
de seus carros, o motor tinindo. Liberaram a via, a calçada agora é quase vazia.
Edifícios vêem o sol cada vez mais cedo. Um brinde de cerveja achada aberta no
fundo da geladeira à especulação imobiliária

terça-feira, 7 de julho de 2015

O Espirro

Um espirro reprimido
o ouvido tranca
o vidro embassa
o farol de cor não passa
a recepcionista faz cara de palhaça
o cartão dá pirraça
é bar que não vende cachaça
é copo, é taça
qualquer barulho é ameaça
porque o ouvido tranca
o som ao redor não passa

segunda-feira, 1 de junho de 2015

06

Pois então que despenque junho
nova folha arrancada
com direito a lazer, saúde, trabalho e algum troco
em festas juninas, nas quase vazias esquinas
uma nova caminhada, com os velhos calçados
a orquestra a tocar, como quem joga baralho
a lista em branco do mercado, esperando algum recado
que seja bom, que venham noites de orvalho
que 30 dias são pouco
pra esquentar o teu princípio de inverno
e que tudo mais
que não seja de terno

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Lugar

Me chame pra qualquer lugar
que tenha música boa
mas em altura suficiente
pra com gente boa conversar
se não der pra conversar
mas der pra dançar
me botarei a sensualizar
conforme o nível da Cantareira
o robozinho na pista vai adentrar
se a piada for boa, me esforçarei pra continuar
e se não for caso
nem de rir, nem de dançar, nem de conversar
me chame pra qualquer lugar
em que teus braços sejam lar

domingo, 25 de janeiro de 2015

SP 461

eta Sampa quatrocentona
tão na vanguarda, tão na carona
congestionada, apressada, ainda há pouco quase desvairada
nos campos improvisados de meia e camisa na mão
das alamedas chiques em pleno apagão
nas batalhas verbais dos currais, das quentinhas a 2 quase Reais
na frieza das megaestatísticas
no calor de teus fornos, de pizza e de gente
das garoas que agora rareiam
das sabiás que insistentemente ainda gorjeiam
dos cachorros com papai e mamãe
dos perdigueiros e ratos a brotarem dos bueiros
das guias rebaixadas, das calçadas de Cabul
das gentes solidárias, das solitárias, das libertárias e até das reacionárias
dos que riem da situação, dos que blasfemam de bíblia na mão
do piso tátil na Paulista, dos desníveis a perder de vista
da fila pra estacionar, só não menor que a do pão
do boliviano que se deu bem, do haitiano que se coça no porão
da mulata do Vai-Vai, do albino da Vila Alpina
das padarias Gourmet, das que nem vendem pão
da pizza jamais com catchup, do chope inflacionado de teu metro nada quadrado
Samputada, Sampilhada, Samporrada
de você nos embriagamos mais um ano
bela engarrafada #sp461