terça-feira, 31 de julho de 2012

Por entre os prédios de nós

Ontem me contaram que os ensaios da Vai-Vai esse ano já serão na Barra Funda,
hoje que o Bar da Árvore, com seus pastéis, espetinhos e cerveja trincando,
virou bombonier. A Augusta ainda sacode, mas ameaça se transformar num quintal
só de concreto e vidro. Que venha logo a estação 14 Bis, porque tudo é
passageiro.

Já experimentou pensar de olhos fechados?

Em um estabelecimento qualquer, dou uma nota de R$20 para pagar algo que custava
R$13. Colocados aqueles 2papéis de mesmo tamanho na minha mão, pergunto qual a
de R$2 e qual a de R$5, e a moça reage com perplexidade: "Como você sabe que tem
uma de 2 e uma de 5?". Ora pois, já experimentou pensar com os olhos fechados?
Uns dirão que a concentração pode aumentar, mas não sei se concordo - porque
nunca pensei de olhos abertos - e não é sobre isso que eu pretendo falar nesse
momento. O que quero expor é que se o troco é de R$7, não há outra combinação
possível com duas notas. Talvez, olhando para as cédulas, uma simples soma faz
com que não se tenha que matutar sobre isso, mas é só mais uma forma básica de
conhecimento ensinada na escola. Vale dizer que Essa "admiração" quanto ao fato
de um cego adivinhar o valor das notas não acontece só com pessoas que não
tiveram acesso a uma boa formação. Aqui poderiam ser abertos inúmeros
parênteses, seja sobre a qualidade de nossa educação ou sobre como os "normais"
(olhe bem para as aspas) observam os "não enxergantes" (essa com contribuição de
uma amiga do trabalho, risos). O que pretendo concluir é que muitas coisas podem
ser feitas de outras maneiras, seja no sentido contrário ou com o uso de outros
sentidos. Atravessar uma rua só pelo barulho dos carros ou perceber que existe
uma farmácia só pelo cheiro que vem lá de dentro parece algo igualmente
sobrenatural, mas só porque talvez nunca se tenha tentado ou precisado. Quanto a
trocos mais complexos, avenidas de duas mãos ou farmácias escondidas dentro de
um MC Donald's, prefiro deixar para os próximos capítulos, ainda que nada seja
impossível quando se consiga ver algum caminho.

terça-feira, 3 de julho de 2012

quarto.txt

Depois de passar horas em pé, recebendo flores, ouvindo conselhos, orações e
lamentações, não via a hora de se deitar. Era um estúdio pequeno, próximo ao
metrô e ao escritório em que trabalharam juntos pelos últimos dez anos. Da porta
de entrada já se avistava a cama, que naquele dia encontrava-se desarrumada. Nas
paredes quadros abstratos, araras com roupas penduradas, a televisão de
proporções avantajadas, a gaiola vazia e o espelho. Despiu-se, ensaiou um bocejo
e Esparramou-se numa cama demasiadamente grande. Nenhum canal de televisão foi
capaz de reter sua atenção por mais de alguns segundos. Desligou o aparelho e
colocou-se próxima à janela, que estava entreaberta. Garoava, pingos brotavam do
céu e de seus olhos. Sentiu vontade de seguí-los, numa viagem de aproximadamente
45 metros. Se seu parceiro teve a coragem, por que ela não teria? Será que se
encontrariam lá em baixo, ou ele conseguira convencer o porteiro celestial de
que foi um mero acidente? Quanta perspicácia em partir sem sequer se despedir,
quanta covardia em abandonar tantos projetos, angústias e sonhos em comum. Um
pensamento a perturbava desde a primeira revista, em busca de alguma carta,
e-mail ou outro sinal: o que ele não quis dizer em palavras, mas disse com a
queda? Lembrou-se do carinho que ele fazia em seus pés descalços, dos beijos
demorados na última ida à praia, das caricaturas que colocava por debaixo da
porta. Tudo aquilo não mais fazia sentido? Fechou bruscamente as encardidas
cortinas ao lembrar de que suas roupas estavam no sofá cama, onde despencou sem
pestanejar. Quem mais se importava com sua nudez, quem mais notava seus lapsos
de memória? Ainda deitada, suas mãos alcançaram a gaveta mais próxima. Escondida
entre contas a pagar, caricaturas e retratos, uma caixa com alguns comprimidos
que lhe garantiriam horas de sono, quem sabe meses ou anos.